Refletindo

O que em cada um de nós é pureza, ou organicidade?

O que é genuíno?

O que é sincrético? Misto da convivência cada vez mais acelerada, profunda ou superficial entre culturas diversas?

Quais são os nossos mitos? Os códigos, os princípios que nos mantém unidos?

Quais histórias estamos contando? Quais são os conflitos que sustentam nossa dramaturgia coletiva? Quais são os desafios que nos instigam a construir essas histórias?

Fazendo tantas perguntas, não tão ocupados em achar respostas senão, engajados em repensar nossas vidas e o trabalho que delas emana. Perguntas que nós lançam na fascinante descoberta de novas perguntas e enquanto seguimos por este, muitas vezes árduo mas também prazeroso caminho, vamos construindo nossa história de grupo de teatro de grupo, e entendendo profundamente o dizer do poeta: “o caminho se faz ao caminhar”.

Hoje, na prática, somos um grupo que trilha um caminho próprio, sem se preocupar com o que vão pensar ou dizer sobre nós. Livremente confinados em nosso espaço de criação, nossa sede, estamos ocupados sim em entender cada vez mais o que fazemos, buscando afinar nossa comunicação com o público. Em nosso repertório de espetáculos já podemos destacar o que nos é singular, os códigos comuns que ao longo destes nove anos, sustentam nossa criação cênica.

As várias práticas corporais que exercitamos diariamente são filtradas buscando compreender as suas sutis e infinitas correlações, extraindo assim, o material necessário para fio condutor de nossas histórias, sem que pra isso, sejamos meros repetidores de técnicas absorvidas com desenfreada sofreguidão. A cada dia, estas práticas nos ajudam no entendimento do ser e estar em grupo, com suas delícias e mazelas e também no entendimento deste ser uno, consciente do lugar de encontro entre o mundo interior e o mundo exterior – “O Pouso da alma” segundo Joseph Campbell, ou ainda o retorno a fonte – a consciência plena, o paraíso interior. O trabalho sagrado do ator poderá proporcionar a cada um de nós tudo isso?

De minha parte, percebo que enquanto a preocupação com o fazer bonito prevalecer, herança talvez da forma como absorvi a dança clássica ou de minha carência transfigurada na necessidade de agradar, estarei impedida de realizar a viagem mítica e retornar trazendo à tona a experiência dela advinda para compartilhar.

O Estudo do livro “O Poder do Mito” de Joseph Campbell nos ajuda há compreender um pouco mais sobre a dimensão mítica dos espetáculos “O Banho” e “A-Corda”, calcadas no ser e estar do homem no mundo. Nós ajuda também a perceber o quanto ainda podemos descobrir e conseqüentemente comunicar sobre a sacralização de nosso trabalho e as experiências míticas que podemos suscitar, através de nossos personagens, alcançando o tão almejado ritual.

Se o sagrado é o inteiro, buscamos então a unificação do sagrado em nosso grupo onde cada um traz uma bagagem cultural diversa, precisando comungar de um mesmo ritual, para se sentir parte imprescindível desse grupo. Buscamos ainda em nosso ofício, ser como sacerdotes fazendo do ritual, um hábito e não uma obrigação a ser cumprida.

Ainda inspirados no poder do mito iniciamos mais uma empreitada na construção de uma nova dramaturgia dirigida ao público adulto, denominada “Sobreviver”. As ambigüidades de luz e sombra, bem e mal, céu e inferno, paraíso e purgatório, devaneio e lucidez, viver e morrer servirão de ponto de partida desencadeando os possíveis conflitos.

Mitos como o da criação do homem, comuns a todas as culturas, serão referência quando pensamos nas histórias que criamos para sobreviver, para superar nossas dores e principalmente, para transformar nossa realidade. A vida que se alimenta da morte, que surge a partir da morte, nós abre uma maior possibilidade de compreensão do real significado de estar vivo e das diversas mortes que vão nos acontecendo ao longo de nossas vidas, permitindo assim, a nossa sobrevivência. Então compreendemos que para sobreviver temos que matar.

O Tema sobreviver nós oferece amplas possibilidades e neste início de processo, os pontos de partida começam a salpicar nossa imaginação, causando um frisson prazeroso, nutrindo o nosso desejo de escarafunchar ao máximo, criando diversos caminhos que aos poucos vão se inter relacionando para dar início a elaboração de um pré roteiro. Assim, temas como o de pessoas que lutam pela sobrevivência, quando diante de grandes catástrofes naturais ou mesmo, de outras que lutam e convivem diariamente com a morte, acometidas por graves enfermidades ou ainda, a reflexão sobre questões como as diferentes realidades de cada camada de nossa sociedade, habitando em um mesmo espaço urbano, nos põe em contato com estas lacunas onde o que é gravíssimo pra um pode ser uma banalidade para o outro, nos fazendo crer que estar vivo, independente de seu poder aquisitivo, político ou religioso, é igualmente penoso a cada um de nós e estar vivo é necessariamente sobreviver ou vice e versa.

Qual história vamos contar através deste “Sobreviver”? Certamente, mais uma dolorosa empreitada sulcada em nossa existência. Posso afirmar que o aprofundamento sobre o fazer dramatúrgico através de estudos e reflexões, começa a fazer sentido apontando a importância de conflitos claros para a construção da narrativa e o efetivo interesse da platéia pela história que estamos contando.
E o que tudo isso faz aqui, postado num blog que se destina preferencialmente a pesquisa de teatro para crianças? Ora, absolutamente todos os assuntos pesquisados em nosso grupo de estudos se referem a tudo o que fazemos dentro de nossa companhia. Consideramos o fazer teatral para crianças extremamente delicado e procuramos trabalhar nele, de forma séria e comprometida, assim, não julgamos o fazer teatral para adultos mais importante que o teatro dito “infantil” e a leitura de Joseph Campbell está nos ajudando a compreender como um todo a dramaturgia que concebemos, seja ela adulta ou infantil.

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