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Teatro para Todas as Idades - Milton Morales Filho

(Esse texto foi elaborado a partir do tema exposto na mesa redonda sobre teatro para todas as idades organizado pela Cia do Abração, que ocorreu durante Festival de Curitiba-2007. Milton Morales Filho é formado pela Escola de Arte Dramática da USP, formado em medicina pela UNESP, especialista em Medicina Preventiva. Foi Diretor de Teatro no Colégio Waldorf Micael de São Paulo de 1996 a 2006. Dramaturgo e diretor do Teatro da Gioconda, Cia de São Paulo que, desde 1999, trabalha com crianças e adultos.)

Atualmente há muitos grupos com trabalhos voltados “para todas as idades”, onde o espetáculo não se encaixa nem na categoria “para crianças” nem “para adultos”.
Refletindo sobre esse tema, levantei algumas questões, que estão longe de ser um ponto final no assunto. São apenas considerações (entenda-se como bem-humoradas) para ampliar essa discussão.

O termo, “Teatro para Todas as Idades”, atualmente agrega diversos fatores:

Surge como uma negação ao “teatro infantil”, termo infelizmente carregado de preconceito, visto como algo menor, feito de maneira boba, sem pesquisa e sem conteúdo. E temos que admitir que ainda existe muita coisa assim por aí, imitando jargões televisivos, encarando a criança de maneira histérica e estúpida.

O “teatrinho infantil” infelizmente começa nas escolas, onde professoras sem preparo realizam “teatro-empresa” para crianças, colocando no palco infelizes coitados, vestidos de índio ou de coelhinho, para comemorar datas especiais. Tudo bem usar o teatro como um recurso didático, mas o problema é que pára por aí a idéia de Teatro na maioria das escolas. É claro que existem exceções. Esse modo de fazer teatro para crianças também se prolonga para o teatro profissional, com a mesma falta de conhecimento e sensibilidade. Coitadas das crianças que irão aprender desse modo o que é Teatro.

Não me admiro que, quando adultas, não irão ao teatro, provavelmente devido a esse horror impregnado.

Mas ainda há salvação.

Muitos grupos de teatro para crianças têm um estudo elaborado, e realizam espetáculos com temas mais profundos, abordando a criança de uma maneira menos linear e rasa. Esses espetáculos, naturalmente, também interessaram aos adultos, pois a peça também tem conteúdo para entretê-lo. O adulto, nesses casos, não é visto só como a pessoa que leva a criança ao teatro, mas como um espectador apto a fruir o espetáculo junto com a criança.
Há muitas Cias que realizam um trabalho sério, numa grande variedade de linguagens. Essa variedade de estilos e propostas enriqueceu esse panorama e acabou por seduzir também os adultos.

Outro fato dessa tendência de “Teatro para todas as idades” é que o perfil da platéia também mudou. Atualmente, nas platéias de teatro infantil, em geral 50% do público é adulto, visto o grande número de filhos únicos devido ao processo histórico de mudanças do perfil familiar. A sessão à tarde, acabou virando um programa da família, onde também devemos levar em consideração fatores econômicos (opção de fazer apenas um programa que englobe toda a família) e também o receio de sair à noite devido à violência das grandes cidades.

O ARTISTA E A CRIANÇA

O foco do artista que recebe a criança no teatro deve ser, em primeiro lugar, mostrar “O que é Teatro”, e não o que é ecologia, o que é escovar os dentes, etc.
O ideal é que as crianças, assim como os adultos, entrem em contato com essa Arte, que é grandiosa porque é essencialmente humana. E cheia de mistérios. Deve ser um desafio ao intelecto da criança, deve excitar suas emoções, aprimorar sua percepção estética e ampliar sua relação com o espaço físico e imaginário.
É comum acompanhar o caminho de um adulto que, ao assistir um bom espetáculo, se surpreende ao reencontrar aquela criança há tanto tempo sedimentada internamente, nesse tempo de tantas doenças do afeto e obrigações sociais.
Já a criança, em sua formação, está avidamente aprendendo “códigos de entendimento” deste mundo. Ao invés de simplesmente despejar informação, o teatro bem feito amplia essas possibilidades, não só de conhecimento, seja emocional ou intelectual, mas de questionamento, abrindo novas portas e janelas em seu mundo interno.

Para os fazedores de teatro, o perigo que sempre se enfrenta é de facilitar, de rebaixar, como se isso fosse necessário para chegar até a criança, ao invés de elevá-la.
Em geral há um grande equívoco quando se encara, no trabalho do ator, a “interpretação para crianças”. Como se esse termo abrisse as comportas para um show de caricaturas onde não é preciso delicadeza nem verdade por parte do ator. Como se a criança não pudesse compreender uma emoção verdadeira em cena e sempre fosse necessário berrar e ser grosseiro.

É preciso promover a delicadeza do encontro da criança com o artista.

O artista, que escolheu ter crianças ao seu redor, deve sempre se perguntar, em primeiro lugar, se com o seu trabalho ele está se aprimorando como ser humano. (isso pode até soar piegas, mas é verdade) Se, ao pegar uma peça pra montar, ela não diz nada ao adulto que vai fazê-la, se ela não lhe provoca questões internas ou externas, se ao passar por ela o artista vai continuar sendo o mesmo, se não vai levá-lo a olhar diferente para o mundo, simplesmente não faça. No momento em que se pegar fazendo algo “bonitinho para as criancinhas”, pare por aí, amigo.

Se existe algo que podemos ensinar é a maneira como nos comportamos em relação às pessoas e em relação a este mundo. A criança aprende pelo exemplo e não pelo discurso. O que você é tem muito mais efeito para uma criança do que o que você fala.
Se isso está presente em seu trabalho artístico, o recado está dado. Nele estará de uma forma viva a sua visão de mundo. Quer melhor presente para uma criança? Quer coisa mais bonita do que o encontro humano do artista com a delicadeza de uma criança? Quer força maior?
Assim essa comunicação fica viva, pois é numa via de mão-dupla entre palco e platéia que acontece o milagre efêmero desse encontro.
E são essas boas experiências que levamos por toda a vida.


Abril / 2007

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